O Sistema Econômico Do Islam

 

Introdução

O Islam proporciona orientação a todos os seus seguidores em todas as atividades da vida, nos assuntos tanto materiais quanto espirituais, e seus ensinamentos básicos quanto à economia são citados em diversos trechos do Alcorão. Longe de desprezar o bem-estar material, ele ordena:  

"Não te esqueças de tua porção neste mundo." (Alcorão Sagrado 28:77) 

Enfatiza, entretanto, a composição dual do homem, lembrando:  

"Entre os humanos há aqueles que dizem: Ó Senhor nosso, concede-nos nosso bem-estar terreno! Porém, não participarão da ventura da outra vida. Outros dizem. Ó Senhor nosso, concede-nos a graça deste mundo e do futuro e preserva-nos do tormento infernal! Estes, sim, lograrão a porção que tiverem merecido, porque Deus é Destro em ajustar contas." (Alcorão Sagrado 2: 200-202) 

Em outros versículos encontramos afirmações claras e categóricas de que tudo o que se encontra sobre a terra foi criado por Deus para beneficiar o homem; ou de que tudo que está na terra, nos céus, no oceano, as estrelas e além, foram feitos por Deus para servir o homem. Resta para o homem conhecer e saber aproveitar a criação de Deus, e beneficiar-se de maneira racional, dando ao futuro a sua devida importância.

A política econômica do Islam também tem sido explicada no Alcorão nos seguintes termos: 

"... para que (as riquezas) não sejam monopolizadas pelos opulentos dentre vós”. (Alcorão Sagrado 59:7).

É com base neste princípio fundamental que o Islam vem construindo seu sistema econômico. Por um lado, ele estabelece a distinção entre o mínimo necessário e a fartura desejável, e por outro lado, entre os mandamentos e injunções que são acompanhados por sanções materiais e aqueles que não o são, mas para cumprimento dos quais o Islam se satisfaz tão-somente com a persuasão e a educação.

Descreveremos primeiro e em poucas palavras este aspecto moral. Alguns exemplos nos ajudariam a compreender melhor as implicações contidas nele, Os termos mais enérgicos têm sido empregados pelo Islam para demonstrar que é abominável pedir esmolas aos outros, e que isto seria motivo de vergonha no dia do juízo Final; entretanto, ao mesmo tempo, dedica louvores ilimitados àqueles que ajudam a outros, dizendo serem melhores os homens que se dispõem ao próprio sacrifício em preferência a outrem do que de si mesmos.

E também a avareza e o desperdício são ambos proibidos. Certo dia o Profeta do Islam precisou de recursos consideráveis para uma causa pública qualquer. Um dos seus amigos trouxe-lhe determinada soma oferecendo-a como contribuição e, à pergunta feita pelo Profeta, ele respondeu: "Não deixei em casa senão o amor de Deus e do Seu Mensageiro”. 

Esta pessoa mereceu os maiores elogios do Profeta já em outra ocasião, outro companheiro seu, que se encontrava seriamente adoecido, disse-lhe, quando ele veio saber da saúde deste:  "Ó Mensageiro de Deus! Sou um homem rico, e desejo doar tudo o que possuo para o bem-estar dos pobres."  O Profeta lhe respondeu: "Não! É melhor que deixes para os teus parentes condições de viverem independentes do que se verem obrigados a depender dos outros ou de esmolarem." Mesmo diante da redução da pretendida doação para dois terços ou metade, o Profeta disse: "Isto é demais." Quando lhe foi submetida a proposta de ser doado um terço das posses para a caridade, ele disse: "Bem, até um terço é muita coisa."  

Em outra passagem, o Profeta viu um dos seus companheiros vestindo-se miseravelmente. Perguntado este respondeu: "Ó Mensageiro de Deus! Eu não sou realmente tão pobre; só que prefiro gastar minha riqueza com.os pobres mais do que comigo mesmo." O Profeta retrucou: "Não, Deus gosta de perceber nos Seus servos traços das dádivas que Ele lhes concedeu!"

 Não há nenhuma contradição nessas diretrizes; cada uma tem seu próprio contexto e se refere a casos individuais distintos um do outro. Esses exemplos nos permitem estabelecer os limites para a criterização do que excede ao mínimo obrigatório em proporção a outros membros da sociedade.


Herança 

Tanto o direito individual de dispor da própria riqueza, quanto o direito coletivo de todo aquele que é membro dessa sociedade, tem de ser preenchidos, ao mesmo tempo. Os temperamentos individuais diferem sobre-maneira. A doença ou outros acidentes também podem afetar despropositadamente ao homem. Portanto é necessário exercer certa disciplina a esse respeito em benefício da coletividade.

Diante disso, o Islam tomou duas resoluções primeiramente, a obrigatoriedade da distribuição dos bens de alguém falecido entre os seus parentes próximos, e em segundo lugar, a restrição da liberdade de doação através de testamentos e herança. Os herdeiros legais não precisam de quaisquer disposições testamentárias, herdando a propriedade do falecido nas proporções previstas pela lei. O testamento só é necessário em favor daqueles que não têm nenhum direito natural de herança daquela pessoa.  

Existe uma igualdade entre os parentes de unia mesma categoria, e ninguém pode dar a um filho (mais velho ou mais novo), mais do que ao outro, seja maior ou menor (de idade). O primeiro ônus gravado sobre a propriedade deixada por alguém que morre, são as despesas funerárias. O que sobra vai então aos seus credores, já que a dívida tem prioridade sobre os "direitos" dos herdeiros.

Em terceiro lugar, seu testamento é executado, na medida e extensão em que não passar de um terço de toda a propriedade disponível (após o enterro e o pagamento de   dívidas). Somente depois de satisfazer essas obrigações primordiais é que então são considerados os herdeiros... O parceiro (homem ou mulher) da vida em comum, os parentes, os descendentes (filhos e filhas) são os herdeiros naturais, e herdam em todos os casos. Irmãos e irmãs, e outros parentes mais remotos, herdam somente quando não há parentes mais próximos, Entre esses parentes mais remotos, contam-se os tios, tias, primos, sobrinhos e outros. 

Sem entrar em detalhes técnicos, certas regras básicas podem ser descritas. Um homicida é excluído da herança de sua vítima, mesmo se o tribunal decidir que tenha sido um caso de morte por acidente involuntário. A idéia subliminar parece ser a de evitar qualquer tentação de se matar um parente rico para usufruir mais cedo da herança. O Profeta também proibiu a herança entre parentes de religiões diferentes, até se tratando de marido e mulher.

Entretanto, o direito de testamento pode ser invocado neste caso: o marido muçulmano, por exemplo, poderá, ao se ver moribundo, doar uma parte de sua propriedade em favor de sua mulher não-muçulmana. Com base nas condições políticas e internacionais que prevaleciam no seu tempo, os juristas muçulmanos instituíram ainda outro obstáculo, qual seja, a diferença territorial (isto é, nacionalidade política) como motivo de exclusão da partilha. Evidentemente os tratados podem regular a questão do direito internacional privado, num sentido contraditório, com base na reciprocidade.

Nos países onde a lei islâmica de herança não é aplicada pelos governos, e no entanto se reconhece o direito testamentário, os cidadãos muçulmanos podem, e devem, utilizar esse recurso, para cumprir seu dever religioso com relação à disposição de suas posses após sua morte.


Testamentos

 Acabamos de mencionar que o direito testamentário torna válidas as doações somente quando não ultrapassam o limite de um terço das posses, em favor das pessoas que não sejam nem credores nem herdeiros naturais.

O objetivo desta regra parece ter duplo sentido Primeiro, o de permitir que um indivíduo concilie as coisas quando, nos casos extraordinários, a regra geral traz problemas; e quando um terço das suas posses é suficiente para o cumprimento de tais deveres morais.

O outro motivo da lei dos testamentos é o de evitar a acumulação de riquezas nas mãos de uns poucos, coisa que aconteceria se déssemos por herança a uma só pessoa toda a nossa propriedade, excluindo totalmente aos outros parentes próximos.

O Islam deseja a distribuição das riquezas ao maior número de pessoas possível, sem deixar de levar em conta os interesses da família.


Bens Públicos 

Também temos obrigações como membros de uma família maior ainda que a nossa, ou seja, a sociedade e o Estado em que vivemos. Na esfera econômica, recolhemos impostos, os quais o governo redistribui no interesse da coletividade.

A proporção dos impostos varia de acordo com os vários tipos de fonte de renda, e é interessante observar que o Alcorão, que determina diretrizes precisas com relação aos gastos orçamentários, não pronunciou regras ou valores da receita do Estado. Respeitando escrupulosamente o que o Profeta e seus sucessores imediatos praticaram, esse silêncio do Alcorão pode ser interpretado como a concessão de uso de critério lato pelo governo na fixação das receitas de acordo com as circunstâncias, desde que no interesse do povo.  

No tempo do Profeta, existiam impostos agrícolas, e os camponeses entregavam a décima parte de suas colheitas, desde que isto fosse além de um mínimo isento. No comércio e na exploração de minas, recolhia-se dois e meio por cento do valor dos produtos.

Quanto ao imposto de importação, cobrado aos caravaneiros estrangeiros, existe um fato interessante que vale a pena comentar com destaque. No tempo do Profeta, os caravaneiros deviam pagar um dízimo a título de taxa alfandegária; o Califa Omar reduziu esta taxa pela metade para os estrangeiros, sobre determinadas categorias de provisões importadas em Madina. Este precedente sentencioso traz à luz os princípios essenciais da política fiscal do Islam. No tempo do Profeta, ha

via impostos sobre caravanas de camelos, redis de ovelhas e rebanhos de cabras e reses, desde que esses fossem alimentados nos pastos públicos e excedessem em número o mínimo que era isento. A isenção era concedida também às bestas de carga e às que eram empregadas na aragem e na irrigação.

Existia uma taxa de dois e meio por cento sobre poupanças e sobre prata e ouro. Isto obrigava as pessoas a empregar suas riquezas para aumentá-las, evitando que as entesourassem inutilmente.


Gastos Estatais 

O Alcorão estabeleceu os princípios reguladores do orçamento dos gastos do Estado no Islam, nos seguintes termos:  

"Os tributos são tão-somente para os pobres, para os necessitados, para os funcionários empregados em sua administração, para aqueles cujos corações têm de ser conquistados, para a redenção dos escravos, para os endividados, para a causa de Deus e para o viandante; isso é um preceito emanado de Deus, porque Deus é Sapiente, Prudentíssimo." (Alcorão Sagrado 9:60).

Estes oito títulos de despesas que cobrem praticamente todas as necessidades de uma coletividade, precisam ser elucidados para tornar possível a compreensão do âmbito e alcance exatos de sua aplicação.

O termo Sadaka; o qual traduzimos por tributos, ou o imposto do Estado sobre os muçulmanos, é sinônimo de zakat, e representa todos os impostos e taxas recolhidas pelos muçulmanos ao seu governo, em tempos normais, quer seja sobre a produção agrícola, a mineração, o comércio, a indústria, pastagem de animais, poupanças ou quaisquer outras fontes.

Estão excluídas as taxas provisórias que são impostas em tempos anormais, os impostos cobrados aos não-muçulmanos súditos ou estrangeiros, bem como todas as contribuições não compulsórias. A literatura contemporânea, e principalmente os ditos do Profeta, não deixam dúvida de que era neste sentido que se empregava o termo Sadaka. Ele não se referia às esmolas, as quais não podem nem ser compulsórias nem ter valor prefixado ou ocasião determinada de pagar. A expressão que se refere à esmola é infak li sabil allah, e significa despesa na causa de Deus.  

As primeiras duas categorias de pobres (fucara) e dos necessitados (masakin), que são quase sinônimas, não foram explicadas pelo Profeta, daí existir uma divergência de opinião a respeito. De acordo com o que o Califa Umar dizia e praticava, os "fucará" são os pobres dentre os muçulmanos, e os masakin são os dentre não-muçulmanos residentes em território islâmico, tais, como os judeus, os cristãos, etc.

O jurista Ach-Cháfi'i pensava que os dois termos eram absolutamente sinônimos, e de que Deus, na Sua bondade, nomeara-os duas vezes para deixar uma provisão redobrada. De acordo com essa interpretação, uma vez que cada uma das oito categorias descritas no versículo alcorânico deveria receber um oitavo da receita do Estado, os pobres receberiam duas oitavas partes. Seja como for o primeiro dever do Estado é o de se assegurar de que nenhum habitante de solo islâmico careça de meios de subsistência: alimento, roupa, moradia, etc.

O item seguinte diz respeito aos salários dos funcionários: coletores, contadores, controladores da despesas, auditores etc. Na verdade, esta categoria compreende a administração toda, civil, militar e diplomática, como pode se ver da descrição das categorias dos beneficiários.

O historiador Al-Baladhuri (em seu Al-Ansab), preservou documento pelo qual o Califa Umar exige ao seu governador na Síria que: "Mande-nos (a Madina) um grego qualificado, para que ele possa pôr em ordem a contabilidade das nossas receitas".

Não precisam de autoridade melhor que esta para afirmar que os não-muçulmanos não podiam ser empregados na administração do Estado muçulmano, como também podiam ser beneficiados pelo sadaka, imposto exclusivamente aos muçulmanos.  

A categoria daqueles "cujos corações têm de conquistados" pode ser mais facilmente entendida aplicando-lhe o termo moderno de "serviço secreto". O jurista Abu-Ya'la al-Farra diz: "Quanto àqueles cujos corações têm de ser conquistados, há quatro tipos:  

1) Aqueles cujos corações tem de ser conquistados por virem ajudar os muçulmanos; 

2) Ou por se absterem de causar danos aos muçulmanos; 

3) Para convidá-los a converterem-se ao Islam; 

4) Para convidá-los por intermédio de seus clãs e famílias a se converterem ao Islam. É admissível legalmente ter despesas com eles todos e cada um, sejam eles muçulmanos ou politeístas.” 

A expressão fir ricáb "libertar o pescoço", tem sido sempre entendida compreender dois tipos de despesa: com a libertação de escravos, e com o pagamento de resgates de prisioneiros de guerra das mãos do inimigo.

De acordo com a lei islâmica, todo escravo tem o direito de adquirir sua emancipação pagando o valor desta ao seu senhor; e para que ele ganhe o montante necessário, ele pode exigir que seu senhor lhe forneça meios para trabalhar e que durante tal período, ele não tenha que servir seu senhor; além disso, como já vimos, é dever do governo alocar todo ano como parte do orçamento, uma determinada soma para ajudar escravos a adquirirem sua liberdade.

Um documento do Califa Umar Ibn 'Abdul Aziz, da Dinastia Omíada, diz que o pagamento dos resgates pelo governo muçulmano inclui a libertação até de súditos não-muçulmanos que tenham sido aprisionados pelo inimigo.

 A categoria daqueles que estão pesadamente endividados tem, de acordo com o costume dos tempos clássicos, toda uma série de aplicações: ajudava-se aos que sofriam calamidades tais como enchentes, terremotos, etc. Ela não se refere aos pobres, os quais já foram mencionados no começo do versículo, e sim aos que estavam bem de vida e vieram a ser prejudicados por condições anormais, de força maior.

O Califa Umar estabeleceu uma seção especial do Tesouro Público, destinada a emprestar dinheiro isento de juros àqueles que tivessem necessidades temporárias e tivessem as garantias necessárias do reembolso. O próprio Califa recorria a este meio para atender suas necessidades particulares. Vale dizer que a "nacionalização" do financiamento sem juros foi a concomitante necessária diante da proibição da cobrança de juros pelo Islam.

O mesmo Califa costumava emprestar dinheiro até aos mercadores, por prazos fixos, e o Tesouro participava com eles em um percentual do ganho comercial que auferiam, participando não somente dos ganhos, mas também das perdas se houvesse. Outra aplicação de gastos estatais era com uma espécie de seguro social.

Se alguém fosse condenado por homicídio involuntário e não tivesse condições de pagar a indenização, ou dinheiro de sangue, exigido em lei, de seus próprios meios, o governo ajudava-o deste fundo, como se evidenciou por diversos casos praticados pelo Profeta. Voltaremos a isto novamente, mais adiante, em maiores detalhes.

A expressão "para a causa de Deus", na terminologia islâmica, significa em primeira instância a defesa militar e o gasto com pessoal, equipamento etc. Mas o termo se aplica na realidade a todo tipo de obras de caridade, tais como ajudar os estudantes, doações e ajuda a causas religiosas, tais como a construção de mesquitas etc.

 A última categoria diz respeito às comunicações e ao trânsito turístico em sentido mais lato; a construção de pontes, estradas, hotéis, restaurantes, segurança das rotas (incluindo policiamento), serviços de higiene, transporte de viajantes, e todos os confortos proporcionados a estrangeiros no curso de suas viagens, incluindo a concessão de hospitalidade a estes, sem ônus, e na proporção dos recursos existentes. Antigamente, essa hospitalidade era garantida por três dias em cada lugar de permanência. 

Para que se possa apreciar o mérito dessas disposições, devemos lembrar que a época em que foram instituídas era o início do Islam, há catorze séculos atrás. Não há muito que se acrescentar a esses títulos de gastos. Parecem ser aplicáveis aos nossos próprios tempos em um Estado progressivo e voltado ao bem-estar de sua população.

Impostos Excepcionais 

As ‘’ Sadkat’’ eram o único tributo do Estado no tempo do Profeta e dos Califas Ortodoxos. Mais tarde, em ocasiões de grande e extraordinária necessidade, os juristas têm admitido a possibilidade legal de impor tributos suplementares, desde que estritamente em caráter provisório, para possíveis emergências. Tais tributos são chamados nawa'ib (calamidades).


Previdência Social 

Somente os riscos que envolvem grandes valores são objeto de seguros, e estes variam de acordo com os tempos e com as condições sociais. Entre os árabes do princípio do Islam, as agruras cotidianas eram desconhecidas, e o tratamento médico praticamente não custava nada; o homem comum construía sua casa com as suas próprias mãos, e não pagava nem mesmo a maior parte do material usado. 

Assim, é fácil entender porque não existia qualquer necessidade de seguros contra a doença, contra incêndios, etc. Pelo contrário, os seguros que eram uma necessidade real, eram aqueles contra o cativeiro e contra o assassinato. já nos tempos do Profeta, este ponto havia merecido atenção; e certas disposições foram providenciadas com certa elasticidade para desenvolvê-las mais e adaptá-las às circunstâncias que sobreviessem.

Assim, na Constituição da Cidade-Estado de Madina, no primeiro ano da Hégira, este seguro se chamou de ma'aquil e funcionava da seguinte maneira. Se alguém fosse feito prisioneiro de guerra por um inimigo, era necessário pagar-se o resgate para comprar sua libertação. Do mesmo modo, os danos físicos e os homicídios culposos exigiam o pagamento dos prejuízos ou dinheiro de sangue. Isto freqüentemente excedia os recursos do indivíduo envolvido, fosse ele o prisioneiro ou o criminoso.

O Profeta instituiu um seguro em bases de mutualidade com o qual os membros de uma tribo podiam contar, mantido no erário central da tribo, ao qual todos contribuíam de acordo com as suas posses; e se o erário da tribo fosse insuficiente, outras tribos ligadas ou vizinhas tinham a obrigação de prestar ajuda. Foi instituída uma hierarquia para a integração das unidades num todo.

Em Madina, as tribos dos Ansar eram bem conhecidas; o Profeta havia mandado os refugiados de Makkah para lá, sendo estes de origem de Makkah, ou da Abissínia, ou árabes que vinham de diferentes regiões, e que assim passaram a fazer parte de uma nova "tribo" só deles mesmos, especialmente com relação ao referido seguro social.

 Mais adiante, no tempo do Califa Umar, os fundos mútuos ou unidades de seguro foram organizados de acordo com as profissões, serviços administrativos ou militares a que pertencessem, ou até por regiões. Sempre que necessário, o governo central ou da província vinha em socorro dessas unidades, como já descrevemos acima quando falamos nos gastos do Estado.

 O seguro significa essencialmente a partilha da carga que onera um indivíduo entre tantos quanto possível, a fim de tornar mais leve a carga de cada um. Ao invés das empresas capitalistas de seguros, o Islam preferiu organizar o seguro com base no sistema mutuário o cooperativo, facilitado por uma graduação das unidades e culminando num governo central.

 Uma unidade dessas podia empreender o comércio com a ajuda dos fundos não utilizados que estivessem ao seu dispor, para que o capital fosse assim aumentado Viria um tempo em que os membros de uma unidade poderiam ser totalmente liberados de continuar a contribuir, podendo chegar até a receber partes do lucro do comércio. Vale dizer que estas unidades de ajuda mútua podiam assegurar qualquer risco, tais como acidentes de trânsito, fogo, prejuízos em trânsito, e assim por diante Também vale dizer que o negócio de seguros é passível de "nacionalização" para todos os tipos de riscos, como, por exemplo, para as coberturas temporárias na expedição de encomendas etc.

 Sem nos deter em detalhes técnicos, pode-se ressaltar que os seguros do modelo capitalista, em que c segurado não participa dos resultados da empresa em proporção correspondente às suas contribuições, não são tolerados no Islam. Pois, tal forma de seguro constitui uma espécie de jogo de azar.

De passagem, poderíamos mencionar um outro tipo de instituição social do tempo do Califa Umar. Ele havia organizado um sistema de pensão para todos os habitantes do país e de acordo com o Ar-Rissala Al-Utmaniya de al-Jáhiz, até os súditos não-muçulmanos se viam incluídos entre os beneficiários de tais pensões a tal ponto que, tão logo nascesse uma criança, o progenitor começava a receber uma determinada pensão.

Os adultos recebiam o mínimo necessário para sobreviver. No começo, o Califa praticava uma certa discriminação entre as diferentes categorias de pensionistas, e se o mínimo estava estabelecido em 1, a pessoa mais favorecida recebia 40; porém, mais para o final de sua vida, ele decidiu promover uma igualdade total, mas acabou morrendo antes que tal reforma viesse a ser introduzida.  


Jogos de Azar 

Ao proibi-los, o Alcorão os caracteriza como sendo manobras de Satanás; e o fez por razões convincentes. Reconhece-se que a maioria dos males sociais emanam da má distribuição da riqueza nacional, fazendo com que alguns indivíduos sejam ricos demais e outros pobres demais, o que resulta com que eles se deixem explorar pelos ricos.

Nos jogos de azar e nas loterias, é grande a tentação de ganhos rápidos e fáceis, e na maioria das vezes, um ganho fácil é prejudicial para a sociedade.

Supondo-se que nas corridas - de cavalos ou outras e nas loterias, públicas ou particulares, assim como em outros jogos de azar, as pessoas, num país qualquer, gastem 3 milhões de reais toda semana como é o caso de certos países; ao final de 10 anos apenas, terá sido recolhido um montante de 1.560 milhões de reais, de um grande número de habitantes e distribuído a um número ridiculamente pequeno. Menos de 1 por cento das pessoas são contempladas às custas dos outros 99 por cento.

Não importa se os jogos de azar, incluídas as loterias, são nacionalizadas ou não, o mal de se acumular a riqueza nas mãos de uns poucos, às custas de uma enorme maioria, opera com força integral. Eis o porque da proibição dos jogos de azar e das loterias no Islam. Tal e qual os seguros capitalistas, os jogos de azar implicam em riscos unilaterais.  


Juros Sobre Empréstimos 

É provável que não exista nenhuma religião no mundo que não tenha proibido a usura. O que distingue o Islam é que, não somente ele proibiu este tipo de ganho, mas também remediou as causas que levam à existência dessa ilícita instituição na sociedade humana.

Ninguém paga juros por dinheiro emprestado de bom grado; o faz somente porque precisa de dinheiro e descobre que não o pode conseguir sem pagar juros.

O Islam criou uma distinção muito clara entre o lucro comercial e o juro sobre empréstimos de dinheiro. Diz o Alcorão na 2ª Surata, versículo 275: 

" ... Deus permite o comércio e veda a usura. . . ".  

Mais adiante, diz ainda: 

"Mas, se tal não acatais, esperai a hostilidade de Deus e de Seu Mensageiro; porém, se vos arrependerdes, reavereis apenas o vosso capital. Não defraudeis e não sereis defraudados." (Alcorão Sagrado 2:279).  

O fundamento da proibição do juro é também o ser este um risco unilateral. Se tomarmos emprestado um certo valor para obter com ele um lucro, é possível que as circunstâncias venham a não ser suficientemente propícias para ganhar o bastante para cobrir os juros prometidos, sem que o financiador tenha participado dos riscos da aplicação.

Não é possível compelir um indivíduo a privar-se do seu próprio dinheiro, para que o empreste a outros graciosamente e sem juros. já ressaltamos que o Islam ordenou que um dos encargos da receita do Estado é a obrigação de ajudar aqueles que estejam pesadamente endividados.

Conseqüentemente, o Tesouro Público proporciona empréstimos livres de juros, em acréscimo a ou para suplementar os empréstimos que são oferecidos por homens ou entidades caridosos, para ajudar aqueles que necessitam deles. O princípio é o da ajuda mútua e da cooperação.

No caso dos empréstimos comerciais, existe também o sistema de mudharaba, pelo qual empresta-se o dinheiro participando igualmente dos ganhos como dos riscos. Se, por exemplo, dois indivíduos formam uma empresa, cada um fornecendo metade do capital e do trabalho, a distribuição do lucro não é complicada.

Entretanto, se o capital vem de um e o trabalho do outro, ou se dois fornecem capital apesar de somente um deles trabalhar, ou as proporções de participação dos sócios não são iguais, nesses casos a remuneração razoável do trabalho, com base em condições previamente acordadas, é considerada antes da distribuição dos ganhos e dos lucros ser feita.

É claro que todos os cuidados possíveis são envidados, para se proteger dos riscos, porém, o Islam exige que em todas as participações contratuais, ambas as partes contratantes participem tanto dos lucros quanto dos prejuízos.

No que diz respeito aos bancos, suas atividades são basicamente de três tipos: remessa de valores de um lugar para outro, proporcionando a segurança das economias dos clientes, e o empréstimo de dinheiro a terceiros por conta de lucros.

As despesas de funcionamento são rateadas entre aqueles que se servem dos serviços dos bancos. Resta a questão dos empréstimos ao comércio, à indústria ou a qualquer outro tipo de negócio. Se o banco participa dos lucros de seus devedores tanto quanto de todos os seus riscos, o Islam permite o exercício de tais atividades bancárias; em caso contrário não.

A confiança nasce da confiança. Se o banco de poupança de um governo declara ao fim do ano, não no começo, de que está em condição de distribuir tal e tal percentual dos lucros aos seus clientes, não somente ele será considerado legítimo no Islam, mas o público também não hesitará em depositar suas economias nos bancos do governo, apesar do silêncio inicial quanto ao valor do lucro esperado. É de se supor que exista a confiança na administração pública.

Para resumir, o princípio da participação mútua nos lucros deve ser observado em todos os contratos comerciais.


Estatísticas 

Em todo planejamento, é necessário ter-se uma idéia dos recursos disponíveis. O Profeta organizou o censo da população muçulmana, como nos informa al-Bukhari.

No califado de Umar, o censo dos animais, das árvores frutíferas e de outros produtos foi instituído; e nas províncias que viessem a ser adquiridas, eram medidas as terras cultiváveis.

Com um espírito benigno, e com preocupação pelo bem-estar do público, o Califa Umar tinha o costume de convidar representantes do povo das diversas províncias, após a coleta dos impostos, para saber se eles tinham alguma queixa contra o comportamento dos seus coletores naquele ano.


A Vida Diária 

Podemos terminar este breve esboço mencionando duas proibições de considerável importância, que formam, na realidade, facetas características da vida diária de um muçulmano, a dos jogos de azar e das bebidas alcoólicas. Tivemos oportunidade de discutir os jogos de azar, nos quais costuma-se gastar continuadamente por muitos anos, às vezes sem conseguir nada de volta. Que prejuízo para aqueles que são economicamente fracos! 

O uso do álcool tem a peculiaridade de que o seu consumo em uma quantidade pequena nos faz ficarmos alegres e nos reduz a decisão de não beber mais; e quando findamos por ficar embriagados, não temos mais nenhum controle sobre os nosso atos. Nesse estado, podemos desperdiçar dinheiro sem perceber o que fazemos. A estes males se acrescentam os efeitos anti-higiênicos das bebidas alcoólicas. Um dos versículos Alcorânicos fala disto em termos interessantes:  

"Interrogar-te-ão acerca da bebida inebriante e do jogo de azar; dize-lhes: Em ambos radicam-se benefícios e malefícios para o homem; porém, seus malefícios são maiores do que seus benefícios." (Alcorão Sagrado 2:219)

O Alcorão não nega de que existem certos benefícios no uso do álcool, mas o declara um pecado contra a sociedade, contra o próprio indivíduo, e, é claro, contra o Legislador. Em outro versículo, ele relega estes atos ao mesmo nível da idolatria, e os declara como sendo obras de Satanás; e acrescenta, se quisermos ser felizes em ambos os mundos, devemos nos abster dos jogos de azar e das bebidas alcoólicas.

''Ó fiéis, as bebidas inebriantes, os jogos de azar, a dedicação ás pedras e as setas de adivinhações, são manobras abomináveis de Satanás. Evitai-o, pois, para que prospereis.'' (Alcorão Sagrado 5:90)

Fonte: islam.org.br

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